Cadê minha memória que estava aqui? Efeitos no cérebro quando nos afastamos das redes sociais.

Por Aline Abreu | Psicóloga

Nos dias atuais, quem nunca se viu chegando em casa após um dia exaustivo de trabalho e ao se deitar alguns minutos no sofá antes de partir para a próxima tarefa, pegar o celular com o intuito de relaxar  checando as redes sociais, e quando se dá conta passou muito mais tempo, a ponto de atrapalhar sua rotina e você nem saber o porque está em determinada página? 

Confesso que por aqui, isso já aconteceu mais do que gostaria de admitir, mas entendo que nos tempos atuais, ainda estamos no processo de entender como as tecnologias e as redes podem nos beneficiar. Porém, ainda não conseguimos dosar o uso delas em nosso cotidiano de forma a não prejudicar nossa saúde mental e nossa vida como um todo. 

Essa dificuldade de estabelecer um tempo de uso saudável não é um problema individual, pelo contrário, já é sabido que a lógica por trás dessas tecnologias é a mesma que a utilizada em sistemas de jogos de azar, os quais têm alta possibilidade de induzir ao vício. Então é fundamental que iniciativas públicas dêem contorno a todo esse contexto.

Isso esclarecido, gostaria de salientar que a proposta da nossa conversa aqui é clarear o que ocorre com o nosso funcionamento cerebral quando notamos um uso mais ponderado das redes. Calma, calma, a ideia não é iniciar um papo sobre neurotransmissores, partes do cérebro e terminologias complexas.

Porém, é importante pontuar que em 2024, após uma pesquisa realizada por especialistas do dicionário de Oxford, a palavra Brain rot, foi estabelecida como a palavra do ano, que traduzindo significa “apodrecimento cerebral”. Isto é, o uso indiscriminado de conteúdos de baixa qualidade por demasiado tempo, ocasiona uma redução gradual da chamada matéria cinzenta do nosso cérebro. 

Essa é a área responsável pelas chamadas funções cognitivas e psicológicas superiores, como atenção, concentração, memória e controle de impulsos, por exemplo. 

Então, não é mera coincidência que você e mais pessoas com as quais você conviva estejam se queixando de dificuldade de memória, organização espaço temporal, concentração em atividades que demandem mais do que 2 ou 3 minutos (tempo comum dos vídeos que assistimos nas redes). 

Segundo uma pesquisa realizada pela Digital 2024: Global Overview Report, a população brasileira ficou em segundo lugar, entre as que mais utilizam seu tempo de forma on-line, ou seja, a média é de que diariamente o brasileiro passe 9h e 13 minutos conectado. 

Considerando que o dia tem apenas 24 horas, podemos estabelecer que diversas áreas da nossa vida terão uma melhora significativa à medida que consigamos reduzir não só o tempo, mas saibamos usar com mais qualidade os conteúdos consumidos no universo online. 

Inicialmente, ao tentar estabelecer uma outra relação com a internet, você pode sentir uma certa dificuldade, inclusive sensações físicas de abstinência, isso porque provavelmente haverá uma redução na liberação da dopamina, neurotransmissor associado ao prazer, o qual vem de forma muito rápida através dos likes das postagens com as quais nos habituamos. 

Devido a alta capacidade de adaptabilidade do nosso cérebro, à medida que vamos conseguindo sustentar um uso pontual da internet e de conteúdos vazios de informação, ele vai se adaptando a outra “forma de trabalho”, resultando em um aumento na capacidade de foco, concentração e consequentemente memória, uma vez que essas funções passam a não ser mais interrompidas o tempo todo por notificações.

Existem outros benefícios que podemos listar aqui advindos dessa readaptação na maneira como nos relacionamos com as redes sociais e a internet, entre elas estão:

  • – Aumento da criatividade e produtividade no trabalho, afinal de contas realizar uma atividade de maneira focada, permite com que a executemos com mais qualidade e em menos tempo;

  • – Melhora na saúde mental como um todo, dado que o uso das redes está diretamente ligado ao aumento de casos de transtornos de ansiedade e depressão na nossa sociedade atualmente, principalmente entre crianças e jovens que por estarem em processo de formação são afetados com ainda mais intensidade pelas comparações que as redes estimulam;

  • – Aumento do tempo disponível, já que reduzir o tempo gasto navegando na internet, nos permite redirecionar o uso dele para outras atividades que colaborem tanto com nossa saúde física e mental, como estimulem a retomada e amplo desenvolvimento da funções cerebrais já citadas anteriormente;

  • – Mais tempo de qualidade para fortalecer vínculos sociais, já que ao deixar de olhar para as telas, conseguimos voltar nosso olhar e atenção a quem está à nossa volta e a maneira como temos nos relacionado; o que pode permitir o estabelecimento de relações mais significativas e duradouras, tão importantes para nossa sobrevivência física e emocional;

  • – Mais possibilidade de utilizar o tempo e espaço mental, para promover reflexões pessoais sobre como você tem vivido, possibilidades de mudanças e melhor reconhecimento do seu mundo interno e das suas emoções, em outras palavras, ficar longe das redes nos permite parar de nos anestesiarmos da vida.

Para finalizar essa reflexão, é importante trazer que as estratégias que você pode utilizar para alcançar esse uso mais saudável das tecnologias não necessariamente vai ser benéfico para outra pessoa. 

Para nada nessa vida existe um “remédio” que traga os mesmos efeitos para todo mundo. Vamos precisar entender como funcionamos, como temos nos relacionado com as redes, para então pensarmos em como melhorar esse comportamento, fazendo um uso de mais qualidade dos benefícios que a internet nos fornece. 

Porém, apesar de ter um tom individual, um problema vivido coletivamente, só terá mudanças realmente efetivas se for tratado também coletivamente. Por isso, é fundamental buscarmos junto aos nossos representantes, estratégias públicas voltadas para a sociedade como um todo, como por exemplo, o banimento do uso dos celulares por crianças e jovens nas escolas que presenciamos e comemoramos recentemente. 

Por fim, ponderar um uso mais balanceado das redes e da internet pode proporcionar de fato, que possamos voltar a viver nossas vidas e não apenas registrá-la para postar, que estejamos também de alma em nossas interações e não apenas de corpo, como muito temos experimentado. 

E se você tem tido dificuldade para iniciar esse movimento ou dificuldade de sustentar uma mudança, considere procurar apoio e ajuda profissional para isso, afinal de contas, assim estaremos deixando cair por terra a falácia pregada nas redes atualmente, de que podemos dar conta de tudo sozinhos. Do mais encerro essa reflexão com o desejo genuíno de que se você chegou até aqui, que esse conteúdo possa ter te ajudado a fazer um bom uso do tempo que você esteve on-line. 

Seguimos juntas!!

Referências:

https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/especial-publicitario/cassems/noticia/2023/09/26/qual-e-o-impacto-das-midias-sociais-na-saude-mental-veja-orientacoes.ghtml

https://veja.abril.com.br/saude/excesso-de-redes-sociais-esta-associado-a-45-dos-casos-de-ansiedade-em-jovens

https://www.gov.br/ibc/pt-br/assuntos/noticias/refletindo-sobre-a-saude-mental-e-o-uso-excessivo-de-redes-sociais

https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/01/01/brain-rot-como-o-conteudo-online-de-baixa-qualidade-apodrece-o-cerebro.ghtml