O Poder de Fortalecer Garotas Emocionalmente para uma Vida Adulta Saudável

Por Letícia Sarto | Psicanalista

Você é responsável por educar meninas?
Se não diretamente, eu aposto que elas existem em seu meio de convívio.
O que você observa de diferente em relação ao comportamento delas que é diferente dos meninos?
Quando penso nisso, uma visão clichê me vem a mente. Um menino sujo de terra, brincante, sem camisa, livre. Enquanto uma menina, de vestido, tem que ficar com as pernas fechadas para não mostrar sua calcinha.
Esses estereótipos, embora simplistas, revelam como a sociedade frequentemente molda as expectativas e comportamentos das crianças com base no gênero. Fortalecer meninas envolve desafiar essas normas e permitir que elas se expressem plenamente sem limitações impostas por papéis tradicionais.
Fortalecer emocionalmente garotas é uma tarefa essencial para assegurar que elas desenvolvam uma autoimagem positiva, resiliência e confiança, elementos cruciais para enfrentar os desafios da vida adulta.

Sigmund Freud, o fundador da psicanálise, enfatizou a importância das primeiras experiências na formação da personalidade. Segundo Freud, “os eventos da nossa infância deixam marcas indeléveis na nossa vida adulta” (Freud, 1933). Esse conceito destaca a necessidade de um ambiente seguro e amoroso durante a infância. Para fortalecer emocionalmente as meninas, é vital que pais e cuidadores criem um ambiente onde elas se sintam valorizadas e aceitas, independentemente de suas falhas ou imperfeições.

Já Klein afirmou que “a capacidade de suportar a ambivalência e a frustração é crucial para o desenvolvimento emocional saudável” (Klein, 1946), por isso, encorajar as meninas a enfrentar e lidar com suas frustrações, em vez de protegê-las excessivamente, ajuda a desenvolver essa capacidade. Ajudá-las a entender que sentimentos negativos são naturais e podem ser gerenciados de forma construtiva é um passo importante para o fortalecimento emocional.

Donald Winnicott, outro influente psicanalista, introduziu o conceito de “mãe suficientemente boa” (Winnicott, 1953). Ele argumentou que mães e cuidadores não precisam ser perfeitos, mas “suficientemente bons” para proporcionar um ambiente de crescimento saudável. Isso inclui permitir que as crianças experimentem pequenas frustrações, o que, por sua vez, fortalece sua resiliência. Segundo Winnicott, “é na capacidade de brincar que a criança demonstra o quanto está confortável consigo mesma e com o mundo ao seu redor” (Winnicott, 1971). Incentivar brincadeiras e atividades criativas é uma maneira eficaz de promover a segurança emocional e a autoexpressão, mas não só, podemos permitir que as meninas também sejam livres para explorar e experimentar.

Para além da teoria psicanalítica, estratégias práticas podem ser implementadas para fortalecer emocionalmente as meninas. A comunicação aberta e honesta é fundamental. As meninas devem sentir que podem expressar seus sentimentos e pensamentos sem medo de julgamento. Ouvir ativamente e validar seus sentimentos ajuda a construir confiança e segurança.

A autoimagem positiva é outro aspecto crucial. Em um mundo saturado de imagens idealizadas e expectativas irreais, é importante ensinar as meninas a valorizar suas próprias qualidades e conquistas, por isso, reforçar mensagens positivas e encorajar atividades que promovam habilidades e talentos únicos ajudam a construir uma identidade forte e positiva.

A confiança é um pilar central no fortalecimento emocional. Judith Viorst, autora e psicanalista, afirmou: “O desenvolvimento da autoestima é uma questão de encontrar um equilíbrio entre a nossa autoimagem e a nossa realidade” (Viorst, 1998). Para promover a confiança, é essencial que as meninas tenham experiências positivas de sucesso, bem como apoio em momentos de fracasso. Encorajar uma mentalidade de crescimento, onde os erros são vistos como oportunidades de aprendizado, em vez de falhas pessoais, é vital.

Os benefícios de fortalecer emocionalmente as garotas não se limitam a suas vidas individuais, mas também se estendem à sociedade como um todo. Quando as meninas crescem com uma autoimagem positiva e resiliente, elas estão mais preparadas para se tornarem líderes eficazes e agentes de mudança. Como observou Carol Gilligan, “as mulheres, ao entrarem nos espaços públicos e nas esferas de tomada de decisão, trazem consigo uma perspectiva diferente e valiosa que pode enriquecer a sociedade” (Gilligan, 1982).

Eu, aos 34 anos, percebo que minha educação quando menina, não me incentivou a ser líder ou ocupar os espaços públicos tão importantes para as mudanças que queremos ver. Fui socializada para cuidar, sendo assim, travei uma luta muito grande comigo para poder, depois de adulta, me sujar e talvez não me preocupar em não me comportar tão bem.
Eu entendo que os cuidadores e educadores querem proteger as meninas dos perigos e que o mundo é patriarcal e machista (ainda, ou por enquanto), mas não tenham dúvidas que mulheres emocionalmente fortes contribuem para comunidades mais saudáveis e equilibradas.

Além disso, a presença de mulheres confiantes e resilientes no mercado de trabalho impulsiona a inovação e a produtividade. Como destacou Sheryl Sandberg em seu livro “Faça Acontecer”, “empresas com uma maior diversidade de gênero, particularmente em cargos de liderança, tendem a ter melhor desempenho” (Sandberg, 2013). Ao promover a força emocional nas meninas, estamos também investindo no futuro econômico e social de nossas comunidades.

Por fim, num contexto social, fortalecer emocionalmente as meninas é um ato de resistência contra normas culturais que ainda perpetuam expectativas irreais e desigualdades de gênero. Mulheres emocionalmente fortes não apenas prosperam individualmente, mas também enriquecem a sociedade com suas perspectivas únicas e uma abordagem mais inclusiva às decisões públicas e privadas.

No entanto, apesar dos benefícios claros, persistem desafios significativos. Ainda enfrentamos sistemas que subestimam o potencial das mulheres, relegando-as a papéis secundários ou impondo padrões inatingíveis de perfeição. Essas estruturas limitam não apenas o desenvolvimento pessoal das meninas, mas também o progresso coletivo em direção a uma sociedade verdadeiramente igualitária e justa.

Portanto, fortalecer emocionalmente as garotas não é apenas uma questão de justiça individual, mas uma necessidade urgente para o avanço social e econômico. À medida que enfrentamos esses desafios, precisamos reforçar nosso compromisso com a criação de espaços seguros e inclusivos, onde todas as meninas possam florescer e contribuir plenamente. Somente assim poderemos colher os frutos de uma sociedade verdadeiramente igualitária, onde o potencial de cada indivíduo é valorizado e nutrido desde o início da vida.
Vale dizer, que é preciso cuidar de nossas crianças, independentemente do gênero, o que envolve cultivar valores de igualdade, respeito e empatia desde cedo, ou seja, meninos e meninas podem ser livres, sujos de terra, brincantes e livres.

Referências

  • Freud, S. (1933). New Introductory Lectures on Psychoanalysis. W. W. Norton & Company.
  • Klein, M. (1946). Notes on Some Schizoid Mechanisms. In Envy and Gratitude and Other Works 1946-1963. Hogarth Press.
  • Winnicott, D. W. (1953). Transitional Objects and Transitional Phenomena. International Journal of Psychoanalysis, 34, 89-97.
  • Winnicott, D. W. (1971). Playing and Reality. Tavistock Publications.
  • Viorst, J. (1998). Necessary Losses. Simon & Schuster.
  • Bandura, A. (1977). Social Learning Theory. Prentice-Hall.
  • Gilligan, C. (1982). In a Different Voice: Psychological Theory and Women’s Development. Harvard University Press.
  • Sandberg, S. (2013). Lean In: Women, Work, and the Will to Lead. Knopf.