Ciclo menstrual e as emoções: o que tem a ver?

Por Estefania Monholer | Psicóloga

Há alguns anos eu falei no meu Instagram sobre uma percepção que estava tendo e que me intrigava: sentia que tinha dias em que me sentia muito aberta a compartilhar minhas opiniões, fazer vídeos nas redes sociais, em que queria aparecer e falar sobre diversos assuntos, outros dias em que estava mais introspectiva, sem querer me expor, e que esse vai e vem se repetia (como num ciclo, rs). Imediatamente duas mulheres queridas e que, não coincidentemente, são bastante conectadas à questões do feminino, me responderam sugerindo que eu me atentasse a qual período do meu ciclo essas variações aconteciam, pois poderia estar relacionado a isso.

Hoje, acho curioso pensar como até então isso não havia passado pela minha cabeça, já que a única alteração de humor que me fazia pensar em ciclo menstrual era o clichê da TPM: tristeza, irritação, desejo de comer doces. E digo curioso para não dizer trágico, porque demonstra o tamanho da desconexão que eu e muitas mulheres e pessoas que menstruam têm com o próprio corpo, para além da TPM e do período da menstruação em si.

Uma pesquisa feita com 12 mil brasileiras com idades entre 19 e 45 anos, realizada em 2016 pelo site Trocando Fraldas, apontou que 59% das mulheres não sabem quando estão no período fértil, metade não sabe que pode engravidar apenas perto da ovulação e 41% das mães que responderam à pesquisa não sabiam o conceito de período fértil antes de engravidar. Com tal nível de desconhecimento sobre nossos corpos e ciclos, é de se esperar que a parte relativa às mudanças de humor e emoções não seja nem remotamente considerada.

As variações hormonais que ocorrem ao longo do ciclo provocam efeitos físicos e emocionais. Os físicos podem ser que sejam mais facilmente percebidos, como inchaços, cólicas e dores nos seios e no ventre, sensação de pernas pesadas e fadiga, entre outros. Já as variações emocionais dizem respeito a se sentir mais ou menos motivada, com mais ou menos vontade de socializar, mais ou menos disposta a fazer exercícios físicos, com mais ou menos apetite, etc. variando de acordo com cada fase do ciclo.

No período menstrual, que marca o início do ciclo, a energia tende a estar mais baixa. Há um aumento da disposição para reflexões e é um momento propício para se voltar para dentro, se acolher, escutar o próprio corpo e suas necessidades, é um momento de calma. Após a menstruação vem a fase folicular, em que a energia começa a subir, aumenta a vontade de socializar, as emoções estão mais estáveis, é possível se perceber mais criativa, mais curiosa e também é um período mais propício para movimentar o corpo. A fase da ovulação que se segue à folicular é considerada o auge energético, autoconfiança, segurança e motivação estão em alta, aumenta o desejo sexual e a vontade de se comunicar. Na fase lútea, a energia começa a baixar, e costuma ser um momento de maior introspecção e autocuidado, favorecendo a busca por calma e tranquilidade, possível sentir-se mais sensível e com stress mais alto.

Fato é que o problema não são as alterações físicas e emocionais em si, mas vivermos num mundo em que os ritmos da vida são ditados majoritariamente por pessoas que não passam por essas transformações: os homens cis. Assim, a o ciclo menstrual acabou se tornando tabu e rodeado de estigmas, desde não poder falar abertamente sobre estar menstruada, usando eufemismos como “estar naqueles dias” ou ter que esconder absorventes, até ter sua liberdade cerceada pela indignidade menstrual, conceito que indica falta de acesso a produtos e condições de higiene adequados no período menstrual. Dados da ONU apontam que, no Brasil, pelo menos 1 em cada 4 meninas já deixou de ir à aula por não ter absorventes.

Num contexto em que falta dignidade é quase utópico pensar em adaptar os ritmos da vida para atender as necessidades de mulheres e pessoas que menstruam. No entanto, entendendo que cada pessoa vive uma realidade, refletir sobre os aspectos emocionais do ciclo pode permitir que melhores decisões possam ser tomadas, pelo menos a nível individual. Imagine que você tenha que construir um projeto ou ter uma conversa delicada para conduzir, agora imagine poder decidir se vai viver essas experiências importantes na fase folicular, em que a criatividade está em alta, ou na fase da ovulação, em que está se sentindo mais segura e confiante. Ou até imagine poder se acolher ao se dar conta de que a conversa difícil pode não ter acontecido como gostaria porque estava num momento pouco propício, de maior instabilidade emocional ou maior insegurança.

Esses dias conversei com uma amiga recém parida e que, por isso mesmo, estava com as emoções à flor da pele. Em determinado momento, devido à instabilidade emocional e ao cansaço físico, ela disse brincando que considerava uma “mancada da natureza” esse turbilhão de processos pelos quais as mulheres passam porque, além de tudo, diferente de vacas e baleias, ainda temos a capacidade de pensar e de ter consciência do sofrimento e do cansaço vividos. Brincadeiras à parte, realmente não podemos perder de vista que é bastante intenso habitar um corpo que vive em ciclos, mas quanto mais for possível ter conhecimento acerca de si mais prazeroso será também vivê-los.