A Criança Interior
O artista ucraniano Alexander Milov é o autor da escultura chamada “Amor”. Com sensibilidade, demonstra o conflito entre um homem e uma mulher, de costas um para o outro. As figuras dos protagonistas são feitas em metal, representando as couraças, as “gaiolas” emocionais dos adultos. Dentro dos adultos estão duas crianças que buscam aproximação. Esta parte é composta por um material transparente, que brilha à noite. A luz é uma referência à pureza e à sinceridade da criança interior, estas que buscam se aproximar, enquanto os adultos estão fechados um para o outro.
O ser humano nasce em contato com uma gama de sensações que flui por seu corpo genuinamente, com poucos bloqueios. As crianças falam com facilidade sobre seus desprazeres e desejos. Pedem colo, dão os braços, fazem cara feia, birra, beijam e gritam naturalmente, expressando o que acontece em seu mundo interno. Mundo interno e mundo externo estão próximos e em contato.
No universo adulto é comum estar-se extremamente incomodado internamente, mas a expressão externa permanecer serena. Os mundos internos e externos permanecem tão distantes que o ser humano adulto, encouraçado, distancia-se de si mesmo.
Isso acontece porque ao longo do desenvolvimento infantil, a expressão espontânea e genuína dos sentimentos são reprimidas pelas regras sociais e familiares passadas de geração em geração. Sentimentos como a raiva, ciúme, inveja são comumente podados por serem tratados como inadequados. Sensações de curiosidade e carência são desestimuladas pela moral repressora do “certo ou errado”.
“Filho, você não pode sentir isso, é muito feio.”
“Isso que você está fazendo só criança feia faz.”
“Todo mundo aqui está olhando e pensando: que menino feio”.
“Vou chamar o guarda para te prender.”
A criança, em sua fluidez, entende que está sentindo algo inadequado e, como mecanismo de defesa, defende-se de si mesma, distanciando-se das emoções. Ao invés de aprender a lidar com a raiva, a inveja ou o medo, aprende-se a não senti-los. Reprimem-se desejos de expressão de afeto ao invés de aprender como manifestá-los com empatia e respeito.
Em resumo, o ser humano entende que, para sobreviver ao mundo adulto, é necessário reprimir algumas emoções. A questão é: para onde elas vão?
A resposta é simples. Elas não se vão. Continuam presentes, em contato com a criança interior. Se a criança está apagada, muitas vezes o adulto não entende o que acontece em seu mundo interno e lida de forma confusa com as emoções: expressa raiva quando se está triste, rejeita, com medo de ser rejeitado e aliena-se para não sentir desconforto.
No filme “Duas Vidas”, a criança interior olha para seu adulto que está estressado e com poucos vínculos afetivos e diz: “eu não acredito que eu tenho 40 anos e não tenho um cachorro!”. Os desejos da vida infantil foram suprimidos pelo encouraçamento da vida adulta.
Assim como a escultura de Milov, adultos encouraçados, que reprimem sentimentos de necessidade de afeto, de raiva, rejeição e tem dificuldade em assumir falhas e tristeza, fecham-se para o outro. Assim, fecham-se para o mundo e para si mesmos.
Ouvir sua criança interna, ouvir os desejos e sentimentos, pode levar o ser humano a compreender seu mundo interno e aprender a lidar com ele de forma mais fluida e verdadeira. Em contato com seus sentimentos mais genuínos, o adulto pode buscar o que realmente lhe faz vibrar!
O que sua criança interior está tentando lhe dizer?
Por: Luiza Domingues