Como não se sentir incompleta longe da terra natal 

Por Estefania Manholer – Psicóloga | CRP 14/06399-0

Atender pessoas que moram fora do país ou muito longe da família/cidade natal significa ter os temas mais corriqueiros da vida atravessados pela distância, pela multiculturalidade, pela saudade… E pelos desdobramentos desses temas em outras questões, como a amizade à distância, o relacionamento com pessoas de uma cultura muito diferente, o estranhamento no retorno à cidade natal, o assistir a vida acontecendo naquele lugar que você “deixou pra trás”, entre muitos outros.  

Em algum momento desse texto precisaria revelar que eu também sou uma dessas pessoas que moram longe e que lidam com tais atravessamentos, o que permitiu uma grande identificação com os sentimentos experienciados pelos meus pacientes. Claro, nenhum psicólogo/analista precisa viver uma situação para lidar melhor com ela profissionalmente, até porque nunca viveremos as mesmas experiências que ninguém, mas ter alguns aspectos em comum com eles me motivou a pesquisar mais sobre esse tema e a elaborar algumas microteorias sobre o assunto.  

Uma delas tem a ver com um sentimento bastante comum para quem mora longe que é a sensação constante de “está faltando algo”. Uma sensação de incompletude que parece nunca passar. Como quando estamos na nova cidade (ou estado, ou país) e há a vontade de ir àquele restaurante superinteressante…, mas com os amigos antigos. Ou quando assistimos, há quilômetros de distância, um almoço de família acontecendo como se fosse a coisa mais corriqueira do mundo (para eles de fato é!), e bate o ciúmes de ver a vida deles continuando. Também há a situação de, ao viajar para a cidade natal, sentirmos grande alegria pelos reencontros, mas uma falta danada do que ficou: a casa, o trabalho, os costumes diferentes – com os quais possivelmente já estamos nos acostumando e gostando –, o clima, os novos amigos… e quando as férias acabam, bater a tristeza por ter que voltar para onde estávamos até sentindo saudade. 

 Passei a nomear esse mix de emoções e sentimentos de “luto pelo inconciliável”. Pois vem da percepção de que o sofrimento não é só pela saudade, por querer estar junto e não poder, mas por justamente não conseguir conciliar diversos aspectos da vida que agora se alargaram fisicamente. Você pode gostar do país onde mora & também sentir falta da cidade/estado/país natal. Pode querer visitar família e amigos & se sentir sobrecarregada por tentar dar conta de encontrar todos, sonhando por um tempo sozinha na sua casa, no seu quarto. E pode estar muito empolgada pelos encontros ao mesmo tempo em que se sente frustrada por não acontecer como esperava, porque as pessoas e as relações mudaram enquanto esteve fora.  

Identificar as emoções desafiadoras que nos atingem é essencial para conseguirmos lidar com essa sensação de incompletude e para entendermos o que é que estamos sentindo e, possivelmente, tomarmos decisões melhores. Até porque, a “solução” para a tristeza da saudade, por exemplo, não necessariamente é voltar para sua cidade/país natal. Então, é importante compreender que todos esses sentimentos podem coexistir dentro de nós para que eles não se desdobrem em interpretações superficiais e, em última instância, escolhas precipitadas. 

Aqui vão algumas emoções com as quais você aí pode se identificar: 

  • Frustração ao viajar para a cidade natal e não encontrar a realidade imaginada por tantos dias. Às vezes por problemas familiares que ficam mais evidentes no encontro, ou porque o grupo de amigos não está mais tão unido quanto se acreditava, ou porque as pessoas não estão tão disponíveis para te encontrar. 
  • Sentir inveja ou ciúmes ao ver a vida acontecendo lá longe, os amigos que se encontram com facilidade, os familiares que conseguem presencialmente ser acolhidos em momentos difíceis ou celebrados em momentos de conquistas. 
  • Culpa por estar tendo experiências diferentes das que a família pode viver, por ter uma realidade financeira melhor do que a vivida pelos familiares e, por isso, não se permitir aproveitá-las plenamente. 
  • Angústia por tentar dar conta de tudo quando volta para a cidade natal – demandas internas (programas que quer fazer, pessoas que quer encontrar) e externas (convites que não necessariamente gostaria de aceitar). 
  • Desamparo por estar vivendo situações desafiadoras sem rede de apoio e de acolhimento. Não só pela falta de pessoas, mas porque em muitos momentos as diferenças culturais interferem no tipo de acolhimento que é possível receber em momentos difíceis.  
  • Ansiedade com relação à criação dos filhos, sobre o quanto se inserir na cultura do local ou preservar a própria cultura para passar para eles. Ou até com relação ao quanto se soltar para as novas relações com medo de mudar novamente e sofrer outra perda. 

O simples movimento de identificar o que estamos sentindo e o que provocou esses sentimentos já torna possível que insights aconteçam. Por exemplo, não é porque o encontro com os amigos não foi como o imaginado que a relação acabou, que não há mais afeto. Às vezes para a pessoa que mora ainda na cidade algumas mudanças são mais perceptíveis, para quem mora longe fica a última imagem que queremos lembrar, ou a lembrança nostálgica de como foi um dia, mas o grupo de amigos vai se modificando. As placas tectônicas estão se mexendo, mesmo que aos pouquinhos, mesmo que não seja perceptível à distância.  

Do mesmo modo, as formas de acolhimento e apoio podem ser ressignificadas. Não estar presente em momentos desafiadores não precisa significar que não vai existir suporte ou que a solução é se mudar de volta. Muitos acreditam não ser possível manter relações saudáveis à distância, por telefone ou mensagens, mas talvez seja a opção para que as pessoas queridas continuem inteiradas sobre as vidas umas das outras, para que se façam presente e assim seja possível manter o vínculo ativo. 

Cada experiência de mudança, seja de expatriados ou migrantes internos, afeta a nossa vida de formas diferentes de pessoa pra pessoa, claro, mas também de acordo com o nível de mudança cultural, climática, de língua e de distância. O fato é que as pessoas que experienciam essa vivência tão complexa que é mudar-se do seu país/estado/cidade de origem, alarga suas conexões e afetos, um processo que não tem volta, para o bem e para o “mal”. E mesmo que o sofrimento derivado dele não possa ser evitado, é possível se entregar às experiências, com mais inteireza e, por isso mesmo, tornando-as mais enriquecedoras. 

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