Mulheres Mastectomizadas e o Impacto na Saúde Mental

Por Letícia Sarto | Psicanalista

O que um seio representa para uma mulher?

O que seu seio representa para você?

Você já pensou nisso?

Se não, provavelmente, você nunca passou pela possibilidade de removê-lo ou conviveu com uma mulher mastectomizada.

O seio representa muito mais do que uma mera parte do corpo; é um elemento essencial da identidade, da feminilidade e da experiência pessoal de cada mulher, por isso, a perda ou alteração dos seios pode desencadear uma série de respostas emocionais complexas.

Culturalmente, os seios são frequentemente idealizados e objeto de atenção e julgamento.
Inclusive a forma como os seios são representados na mídia e na cultura popular pode influenciar as expectativas e a autoimagem das mulheres, causando certa pressão para atender a certos padrões de beleza, intensificando, possivelmente, o impacto emocional nas mulheres.

Os seios têm um papel crucial na maternidade, sendo a principal fonte de nutrição para os recém-nascidos através da amamentação. Para muitas mulheres, a capacidade de amamentar é um aspecto importante de sua identidade materna e de sua conexão com o bebê, por isso a perda ou alteração dos seios pode impactar a experiência materna e a forma como uma mulher vivencia a maternidade (Lactation Consultant Association, 2015), por exemplo.

Além disso, são frequentemente considerados um dos principais atributos sexuais femininos e podem influenciar a forma como a mulher se relaciona com seu par amoroso e com a sua própria sexualidade, por isso, removê-los pode gerar inseguranças sobre a própria atratividade sexual e a dinâmica das relações íntimas (Greeff & Reddy, 2018).

Além das dimensões culturais e sociais, os seios têm um significado pessoal único para cada mulher. Como já dito, eles podem representar experiências individuais, memórias e aspectos do seu próprio corpo com os quais cada mulher tem uma relação pessoal. A experiência da mastectomia pode, portanto, ter um impacto profundo e pessoal, exigindo uma abordagem sensível e compreensiva para a recuperação emocional (Meltzer, 1984), mas sabemos que muitas mulheres não recebem essa compreensão toda, não é mesmo?

Shannen Doherty, atriz conhecida por seu trabalho em “Charmed” enfrentou o câncer de mama e, em meio ao seu tratamento, passou por uma separação de seu então marido, Kurt Iswarienko. A situação pessoal dela foi amplamente divulgada, mostrando como o tratamento pode impactar as relações pessoais. O abandono durante o tratamento do câncer pode ter sérias implicações para a saúde mental e emocional das mulheres, na qual a falta de apoio pode levar a sentimentos de solidão, desamparo e estigmatização.

O câncer de mama é um dos tipos de câncer mais comuns e é a principal causa de morte por câncer entre mulheres no Brasil. A mastectomia, procedimento cirúrgico para remoção parcial ou total de um ou ambos os seios, como parte do tratamento para o câncer de mama, é uma intervenção comum e muitas vezes medida crucial para a sobrevivência, mas também traz desafios significativos para a saúde mental e o bem-estar das mulheres.

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o câncer de mama é o mais frequente entre as mulheres brasileiras, representando cerca de 29,7% de todos os casos de câncer diagnosticados no país (INCA, 2023). A estimativa para 2024 é de 76.960 novos casos de câncer de mama, com uma taxa de mortalidade significativa. O INCA estima que aproximadamente 18.077 mulheres morrerão de câncer de mama em 2024.

Estudos brasileiros mostram que a mastectomia pode ter um impacto significativo na saúde mental das mulheres. Pesquisa conduzida por Avelar et al. (2019) revelou que mulheres que passaram por mastectomia frequentemente enfrentam problemas de imagem corporal, autoestima e qualidade de vida. Segundo a literatura, muitas mulheres relatam uma sensação de perda de feminilidade e atratividade após a cirurgia (Kroll et al., 2009). A remoção do seio pode desfigurar a imagem corporal, levando a sentimentos de inadequação e baixa autoestima.

Além dos impactos na autoestima, mulheres mastectomizadas frequentemente enfrentam um sentimento de perda não apenas do seio, mas também da imagem de si mesmas e da sua identidade feminina, inclusive a ansiedade e a depressão são comuns.

A mastectomia também pode afetar as relações sociais e a intimidade. A percepção da própria imagem corporal pode influenciar como as mulheres interagem com os outros e como se sentem em relação à sua vida sexual. Um estudo de Greeff e Reddy (2018) destaca que mulheres mastectomizadas podem evitar relações íntimas por medo de serem julgadas ou por preocupações sobre a atração sexual.

Além disso, a mastectomia pode causar mudanças na dinâmica das relações familiares e amorosas. O suporte emocional de parceiros e familiares é crucial, mas nem todas as mulheres recebem o suporte necessário.

No Brasil, temos o Sistema Único de Saúde (SUS) e diversas organizações não governamentais oferecem suporte psicológico e programas de reabilitação para mulheres com câncer de mama. No entanto, a disponibilidade e a qualidade desses serviços podem variar conforme a região.

Para ajudar a mitigar os impactos negativos da mastectomia na saúde mental, diversas estratégias de suporte e intervenções podem ser eficazes. A terapia pode ajudar as mulheres a desenvolver habilidades de enfrentamento e melhorar a sua percepção de autoimagem, grupos de apoio e programas de reabilitação psicossocial podem oferecer um espaço para que as mulheres compartilhem suas experiências e recebam suporte emocional de outras que passaram por situações semelhantes.

A reconstrução mamária, quando disponível e desejada, também pode desempenhar um papel significativo na recuperação da autoestima e da imagem corporal. Estudos mostram que muitas mulheres que optam pela reconstrução relatam uma melhora na qualidade de vida e no bem-estar psicológico (Kroll et al., 2009). Inclusive, a reconstrução mamária é oferecida como parte do tratamento em muitos casos.

Enfrentar o câncer de mama e passar pela mastectomia é um desafio que vai além do tratamento físico. É um processo que exige atenção ao bem-estar emocional e ao suporte adequado para ajudar as mulheres a lidar com as transformações que enfrentam. Com um suporte adequado e uma abordagem compreensiva, é possível melhorar a qualidade de vida e ajudar as mulheres a enfrentarem esse momento.

Referências
Andersen, B. L., Shapiro, C. L., & Schulz, R. (2014). The role of cognitive-behavioral interventions in managing cancer-related distress. Cancer, 120(12), 1901-1911.
Avelar, P. R., Andrade, S. M., & Almeida, T. P. (2019). Qualidade de vida e impacto psicológico em mulheres após mastectomia. Revista Brasileira de Oncologia Clínica, 15(1), 45-52.
Ashing-Giwa, K. T., Lim, J. W., & Kelkar, S. S. (2016). Body image and quality of life in women after mastectomy. Psycho-Oncology, 25(1), 84-90.
Greeff, A., & Reddy, P. (2018). Intimacy and relationship issues in women after mastectomy. Journal of Psychosocial Oncology, 36(2), 215-228.
Harris, C., & Tucker, R. (2014). The psychological impact of mastectomy on women. Journal of Breast Health, 10(3), 201-210.
Instituto Nacional de Câncer (INCA). (2023). Estimativa 2024: Incidência de Câncer no Brasil. Disponível em: inca.gov.br.
Hollander, J. A., Rizzo, M., & Green, T. (2009). Social support and the psychological impact of mastectomy. Social Science & Medicine, 68(5), 915-922.
Kroll, L., O’Hara, J., & Thomas, L. (2009). Reconstructive surgery and psychological outcomes for women after mastectomy. Plastic and Reconstructive Surgery, 124(6), 2045-2054.
Lactation Consultant Association. (2015). Breastfeeding and Maternal Health. Retrieved from: lactationconsultant.org.
Meltzer, D. (1984). Dream Life: A Re-examination of the Psychoanalytic Theory of Dreams. The Free Press.
Souza, C. R., Lima, E. M., & Pereira, J. M. (2020). Aspectos sociais e econômicos da reconstrução mamária no Brasil. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, 35(2), 125-134.