Olhares Para as Crianças


Na última semana fiz um encontro online sobre os Olhares Para a Criança com a psicóloga Estefânia Manholer. A Fala dela tocou profundamente meu coração diversas vezes, por isso compartilharei um pouco do que ela disse com vocês! Ela concedeu lindamente seus dizeres conosco! 

Recomendo a leitura até o final! É um material de muita qualidade gerado após anos de pesquisa! 

” A minha premissa é que por trás de toda prática há uma concepção que a orienta, mesmo que isso não seja consciente. Então alguém pode me perguntar o que eu entendo por criança, e eu não saber responder, nunca ter pensado sobre isso, sobre o que é ser criança, o que é infância. Mas a forma como eu me relaciono com uma criança guarda uma concepção, que orienta esse meu agir com ela.

As noções de infância e criança são relativamente recentes. Isso porque há algumas dezenas de anos a taxa de mortalidade infantil era muito alta, então as crianças não eram olhadas até elas sobreviverem, e quando sobreviviam eram tratadas como mini adultos. Depois disso surgiram diversas visões sobre as crianças.

☛  A criança como um papel em branco;
☛ A criança pura/inocente/bondosa;
☛ A criança que é um adulto em potencial, ou seja, que ainda não é nada, mas que será;
☛ A criança que precisa ser firmemente tutorada ou ela vai pro mal caminho; a manipuladora, etc.


É importante destacar que essas concepções se misturam e há um recorte de classe, gênero e etnia também. As crianças brancas, de classe média e as meninas geralmente se localizam mais nas concepções de pureza. As crianças pobres e negras mais na concepção de que precisam ser tutoradas, que são manipuladoras.
Como isso influencia nas nossas ações?

Ora, se eu vejo a criança como um papel em branco, eu preciso ensinar tudo a ela, ela não tem nada a me oferecer, eu não posso aprender com ela e ela comigo. A forma como ela brinca, por exemplo, com algum brinquedo que seja diferente da forma do adulto, é errada.

Se eu vejo a criança como pura e inocente, eu a aprisiono na necessidade de sempre corresponder às minhas expectativas de bondade e inocência. Então se uma menina, bondosa e inocente, abaixa a calça do coleguinha, é o fim do mundo, não é comportamento de criança.

Se eu vejo a criança como um adulto em potencial eu não me foco em apresentar a ela tudo que vai ser importante para o futuro, e não para o presente, para o prazer do momento. Brincar de escorregar na água com sabão? Não, vamos aprender as letrinhas porque isso é vai ser importante.

A criança manipuladora aparece no momento da birra, da briga, ou seja, nos momentos em que a criança está aprendendo a lidar com diversos sentimentos e emoções de forma genuína e nós julgamos, a partir do olhar adulto, que há uma intenção de manipulação. Há a compreensão de que a criança está te testando. Isso me intriga, porque ela não está testando, ela está experienciando o ambiente, tentando entendê-lo.

Enfim, só passei por alguns exemplos de atitudes que nós temos e que representam essas concepções.
Então qual a concepção mais atualizada sobre as crianças, a concepção que eu utilizei na minha pesquisa.
É a concepção trazida pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, que vê a criança como um ser completo em si mesmo.
Isso é muito lindo e muito profundo!!!

Ela não é um não-adulto, um não-falante, um não-maduro, um não-independente. Ela é uma pessoa curiosa, atenta ao mundo, que se relaciona com ele de um modo específico, que expressa emoções de forma genuína, que tem o seu próprio tempo, que não sobrevive sozinha, um sujeito de direitos, a criança é cidadã, ela tem direitos!

Quando aprendemos isso, a nossa forma de lidar com elas muda. Ou seja, eu fico mais paciente com a criança ao entender que ela tem seu tempo, que eu vou precisar dizer mil vezes “tire o dedo da tomada”, e apresentar outro brinquedo mais interessante que a tomada – não vou achar que a criança tem dificuldade pra aprender ou que tem características inatas como ser desobediente. Eu vou conversar com ela, ao entender que ela não fala mas entende, e está atenta a tudo, do jeito dela. Vou explicar que vou mexer no corpinho dela, ao entender que ela é um sujeito, uma pessoa, e eu estou “invadindo” esse espaço.

Que, além disso, na primeiríssima infância, a comunicação emocional direta é a atividade que guia o desenvolvimento da criança, segundo a teoria que eu sigo. Pode ter mil cores, sons e estímulos, mas aquela conversa na hora do banho, da troca da fralda, o carinho, no sentido de tocar, de demonstrar segurança é que são essenciais.

Pra fechar, acredito que o importante seja voltarmos para a raiz das questões. Antes de pensar como devo agir com as crianças pequenininhas, ou com os adolescentes, é necessário entender: quem é essa criança? O que é importante para ela? Nós já temos essas compreensões, muitas vezes de modo inconsciente, e elas já estão guiando nossas ações. Só precisamos entender, minhas concepções estão gerando comportamentos que eu acredito serem positivos?

Espero que essa reflexão ajude.”