Quando a Proximidade Sufoca e a Distância Machuca: Como Encontrar um Distanciamento Saudável nas Relações
Por Fernanda Pulshen | Psicóloga
Nos atendimentos, frequentemente ouço pacientes que se sentem desconfortáveis com a proximidade ou com a cobrança de presença em alguma relação, seja com familiar ou amigos, e se questionam: como posso estabelecer uma distância que respeite meus limites, sem que essa atitude leve ao rompimento? Será que não estou sendo injusta ao querer fazer isso? Não é difícil compreender tais conflitos, afinal, muitas vezes assumimos amor como sinônimo de proximidade ou disponibilidade. Mas nem sempre funciona assim, não é mesmo?
Além disso, nossos limites podem ser bem diferentes dos da pessoa do outro lado. Uma das partes pode sentir necessidade de um distanciamento maior, enquanto a outra gostaria de se aproximar ainda mais. Como é possível conciliar meus limites com os limites do outro?
Talvez essa não seja a sua história, mas certamente você já ouviu alguém dizer que a relação com os pais melhorou depois que deixou de morar com eles. Ou talvez se lembre daquela amiga que você só consegue encontrar uma vez por ano porque, sempre que estão juntas, sente-se exausta, como se ela demandasse mais atenção do que você pode oferecer. Aposto que também tem algum familiar com quem você evita passar muito tempo junto, pois sabe que os atritos começam a surgir. Ou pode ser difícil entender quando seu parceiro ou parceira diz também gostar de ficar sozinho, enquanto para você isso não é prazeroso. Se você se identifica com exemplos como esses, sabe que encontrar o equilíbrio entre intimidade e individualidade não é tarefa fácil.
Eis um dos desafios: nem sempre conhecemos nossos próprios limites para identificar quando e quanto é saudável investir em determinadas relações afetivas. As necessidades e os limites são profundamente pessoais e subjetivos, além de poderem mudar dependendo do momento de vida que atravessamos. Não existe um manual que defina a dose certa de proximidade ou distância. É preciso observar quais sentimentos surgem diante da possibilidade de decidir se distanciar ou respeitar a distância de alguém (e dá-lhe terapia!). Também é importante refletir se estabelecer algumas condições pode tornar a situação mais confortável. Por exemplo, ir a um evento de família e não ficar por muito tempo; esclarecer a um amigo que provavelmente você recusará convites à noite, mas que aceitaria combinar um almoço; mandar mensagem para dizer que lembrou da pessoa mesmo que não estejam mais se falando com frequência; comunicar a parceira ou parceiro que aos domingos você não gostaria de ficar sozinha, mas em outros dias isso pode ser mais tranquilo. Existem muitas formas de nutrir um vínculo saudável, respeitar limites e se fazer presente — claro, considerando aqui as relações afetivas significativas, aquelas com pessoas com quem não queremos romper completamente.
Outro desafio enfrentado é que, muitas vezes, decidir estabelecer uma distância saudável pode vir acompanhado de culpa, medo do abandono, receio de desagradar o outro ou de ser julgado. No entanto, é fundamental lembrar que distanciar-se saudavelmente não significa abandono, indiferença ou falta de amor. Pelo contrário, trata-se da capacidade de estabelecer limites que preservem tanto a saúde emocional própria quanto a do outro. Isso, muitas vezes, pode até fortalecer uma relação que está desgastada. Esse movimento é consciente, baseado no respeito e na compreensão de que relações saudáveis não exigem controle ou presença constante, mas sim um equilíbrio entre autonomia e vínculo. Em alguns casos, pode significar reduzir a frequência do contato com alguém cujas atitudes nos fazem mal. Em outros, apenas ajustar expectativas e estabelecer um convívio mais confortável.
Um exemplo simbólico para ilustrar esse conflito é a parábola do porco-espinho, do filósofo Arthur Schopenhauer: “Em um dia gelado de inverno, diversos porcos-espinhos se amontoaram muito próximos para evitar que congelassem, graças ao calor mútuo. Logo sentiram a dor causada pelos espinhos dos demais, o que fez com que se separassem novamente. Mas a necessidade de calor voltou a uni-los e o recuo dos porcos-espinhos se repetiu, até descobrirem a distância adequada na qual poderiam se tolerar melhor uns aos outros.”
O dilema dos porcos-espinhos é também o nosso dilema. Te convido a refletir: qual é a distância necessária em cada relação da sua vida para que você não se fira nem passe frio? E em relação aos seus espinhos, estão ferindo os outros? As pessoas queridas para você estão passando frio? Isso é uma atitude consciente ou você está adiando essas reflexões? É com esse cuidado e atenção à forma singular como nos relacionamos que se constrói um convívio mais leve, genuíno e saudável.
Um abraço,
Fernanda.