Saúde física da mulher: temos tempo de olhar para nós?

Por Aline Abreu | Psicóloga

O tema saúde física em geral é amplamente estudado e debatido, não só sobre a sua importância sobre os benefícios ganhos com ele, como também os malefícios ocasionados, caso ele seja deixado de lado.

Entretanto, quando falamos sobre a saúde da mulher, é importante que seja trazido para o debate, pontos importantes que acabam por impactar de formas diferentes as possibilidades de praticar exercícios físicos entre homens e mulheres.

Logo de início, uma diferença primordial que quase nunca é considerada são as fases do ciclo menstrual e como cada uma delas afeta a mulher, dado que cada fase será sentida de forma diferente entre nós.

Além do fator biológico, é fundamental aprofundarmos mais nosso olhar e trazer além do recorte social, o qual é mais falado, também os de gênero e raça. Para falar sobre a prática de exercícios como fundamental para a saúde, é importante entendermos que nem todo mundo parte do mesmo lugar e que quanto mais recortes fazemos, mais entraves essa mulher enfrenta para praticar alguma atividade física e inserir o exercício como um ato de cuidado a si mesma.

Posso apostar uma mensalidade da academia com você, que em algum momento, da sua vida você, assim como eu, já deixou de ir se exercitar porque não tinha com quem deixar seus filhos, ou tinha receio de pedir auxílio, ou ainda, estava muito cansada após horas de trabalho fora de casa e porque depois que chegou se implicou em alguma (as) tarefa (as) do âmbito doméstico.

E por que eu estou levantando esse ponto? Porque de acordo com pesquisas recentes, um fator crucial para as mulheres se exercitarem menos que os homens é a diferença entre os papéis de gênero, visto que socialmente é esperado que as mulheres se impliquem mais nos cuidados dos filhos e da casa, além de terem uma carreira profissional.

Um levantamento global, onde 25 mil pessoas foram entrevistadas, apontou que 74% das mulheres que participaram, não encontram disponibilidade de tempo. Dessas mulheres que têm filhos, 61% relataram que as demandas da maternidade interferem na manutenção do hábito.

Apesar de correlacionarem positivamente a prática de exercícios ao bem-estar mental, visto que 52% das participantes disseram se sentir mais felizes, 67% menos estressadas, 80% menos frustradas e 48% apontaram se sentir mais confiantes, ainda ressaltam a dificuldade de conciliar os muitos papéis desempenhados como o principal entrave enfrentado, ou que quando têm tempo, já estão se sentindo tão exaustas que fica inviável.

Em contrapartida, a percepção dos homens que participaram da entrevista, indica que apenas 34% deles consegue reconhecer a falta de tempo como uma barreira para as mulheres se exercitarem, um percentual significativo de 58% considera as inseguranças corporais como principal entrave, o que para nós ressalta a importância de discutirmos o tema juntamente entrelaçado com a estrutura patriarcal em que estamos todos inseridos.

O fato dos homens não verem a falta de tempo como um dos principais pontos impeditivos, não se trata apenas de uma má percepção. Estamos falando de uma dificuldade de reconhecerem suas faltas e também se implicarem em mais atividades com os filhos e em casa, para que as companheiras tenham mais tempo disponível, isso implica em que eles percam privilégios. Isso não será dado para nós, precisaremos nos mobilizar, unir forças e reivindicar. Caso contrário, corremos o risco de seguir achando possível conciliar tudo e que se não conseguimos é porque não somos boas o suficiente e fazemos uma má gestão da nossa vida. Não vamos cair nessa cilada!

Um outro dado muito interessante trazido, foi que mais de um terço das entrevistadas diz que as amigas são as mais importantes influenciadoras na prática de atividade física. A partir disso, podemos pensar em como através uma das outras podemos nos auxiliar para que consigamos cuidar da nossa saúde física e consequentemente nossa saúde mental.

Sendo assim, a partir disso gostaria de compartilhar com você, que somente hoje aos 34 anos é que consegui introduzir a atividade física como algo consistente em minha vida. Sempre fiz atividade, mas nunca de forma contínua. Tinha alguns períodos de férias quando queria, afinal de contas o metabolismo juvenil estava em pleno vigor, o que não condiz mais com a realidade atual (choremos juntas se você me entende).

Embora hoje em dia, eu consiga me exercitar com regularidade, ainda que eu tenha internalizado que é algo que precisa ser mantido se eu quiser envelhecer com saúde, até hoje travo grandes batalhas mentais entre ir ou ficar esparramada no sofá lendo meu livro ou vendo uma série.

Aqui, confesso que embora gostaria muito de colocar toda a culpa no patriarcado, não será possível, porque há uma porcentagem em nós que ainda vai lutar contra, ainda que tenhamos todas as condições concretas para, visto que não somos programados filogeneticamente pra gastar energia e sim guardar, então cara leitora, como diria Roberta Ferec, excelente escritora que se você não conhece, recomendo. Nós teremos que fazer também coisas que não queremos, porque na vida a gente não faz só o que é gostosinho e se tem uma coisa que é gostosinha na prática de exercícios, é quando ele acaba (risos de brincadeira).

Eu brinco, porém é verdade, há uma série de hormônios que são liberados após a prática de exercícios que culminam na sensação de prazer e bem estar, então de mulher pra mulher finalizo esse texto com algumas sugestões de como facilitar a prática de exercícios em sua vida, dado que alguns pontos ainda levaremos mais tempo para modificar.

Vamos lá então:

Se você é mãe, busque auxílio para seu filho com outros membros da família, seja o pai, avós, tias, se possível. Afinal, você não é nem deve ser a única responsável por ele. Caso não seja viável essa rede, procure por espaços que ofereçam algum tipo de acolhida e supervisão para as crianças enquanto você se exercita, esse movimento tem crescido em cidades maiores;

Sabe aquela ideia do feito, é melhor que o perfeito? Ela é verdade. Vinte minutos de caminhada traz mais benefícios do que esperar o dia que seja possível fazer uma hora. Eu já fui a pessoa que se não dava para ir um dia na academia abandonava a semana toda, hoje entendo que dois dias feitos é melhor que nenhum;

Busque experimentar várias atividades, caminhada, corrida, academia, jogos esportivos em grupo, yoga, pilates, ampliar esse leque e encontrar algo que também desperte prazer durante a realização, pode te auxiliar a manter a consistência nos dias em que o desânimo estiver mais acentuado;

Estabeleça parcerias, como apontado pelo estudo, fazer exercícios na companhia de uma ou mais amigas, pode ser o fator diferencial para você praticar exercícios. Vá com as roupas e sapatos que você tiver, que fiquem confortáveis para a prática de atividade física, não se engane com a ideia falaciosa de que para cuidar da sua saúde é preciso roupas e tênis da moda ou de marca, isso é só o capitalismo introjetando em nós mais uma barreira;

Espero que os apontamentos trazidos aqui, te ajudem a expandir não só o pensamento, mas também as possibilidades de você conseguir inserir a prática de exercícios físicos em sua vida e a colher os benefícios.

Finalizo o texto aqui, respondendo a pergunta do título: temos tempo de olhar para nós? E a verdadeira resposta é que temos pouco ou nenhum tempo para olhar e cuidar de nós se dependermos das expectativas sociais sobre as mulheres, porém essa realidade vem mudando, à medida que temos ajudado umas às outras a expandir, ganhar novos territórios e conhecimentos que têm abalado as estruturas da sociedade da forma como a conhecemos.

Vamos juntas então fazer a revolução?

Referências:
https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/07/02/nao-e-mimimi-desanimo-no-treino-pode-ter-elo-com-ciclo-menstrual-veja-atividade-ideal-para-cada-fase.ghtml

https://veja.abril.com.br/saude/por-que-as-mulheres-estao-desistindo-de-se-exercitar#:~:text=Falta%20de%20tempo%2C%20inseguran%C3%A7a%20corporal,elas%20pararem%20a%20atividade%20f%C3%ADsica&text=Mais%20da%20metade%20das%20mulheres,bem%2Destar%20f%C3%ADsico%20e%20emocional.