Tempo da Criança x do Adulto

Pensando no tempo da criança

Estávamos na fila para fazer exames clínicos no laboratório. Praticamente todos da fila eram preferenciais: gestantes, idosos, bebês de colo. Todos incomodados com a demora, impacientes. A criança que acompanhava sua mãe e seu irmão de colo estava cansada e começou a dizer para sua mãe que estava com fome. Disse algumas vezes, e repetia conforme os minutos iam passando. A mãe cansada, com suas inúmeras questões disse à ela:  fique quieta, você só fala merda, pare de rir.

Essa fala dói na minha alma, de verdade. Tento não julgar essa mãe que, não tenho ideia do que ela está passando, como foi sua criação, ou quantas vezes já falou com calma para sua filha que a necessidade era esperar naquele momento. Mas mesmo assim, ao me conectar com a criança, sinto dor. Faz apenas duas semanas que trabalhamos no Grupo de Ansiedade de Adultos a Criança Ferida de cada um, as lembranças das marcas pessoais de cada participante estão frescas. Nós nos lembramos de eventos que parecem simples, mas que ficam marcados em nosso psiquismo e que influenciam sim na forma como nos sentimos na vida adulta.

Do outro lado da sala de espera, outra menina, menos cansada, pois chegou depois, brincava de se equilibrar nas faixas de borracha no chão, enquanto sua avó preenchia a ficha de entrada no laboratório. Parecia que ela pouco se importava com toda nossa inquietação de mais de 1:30h de espera pelo primeiro atendimento.

Fico pensando nas marcas dessas meninas… no que é possível e o que cabe para o sistema familiar de cada uma delas… a mente vai longe imaginando suas histórias, suas alegrias e suas marcas.. É um exercício do não julgamento e da criatividade para pensar em possibilidades do fortalecimento do psiquismo infantil, e, posteriormente, do mundo interno do adulto.

Penso então em escrever um texto, que nasceu da leitura que fazia nessa sala de espera: Maternidade e o Encontro com a Própria Sombra – Laura Gutman, onde ela diz: “ É paradoxal: por um lado, desprezamos a capacidade de compreensão das crianças pequenas e, por outro, exigimos que se adaptem ao mundo funcional dos adultos”.

Frase sensacional, que, em outras palavras, nos coloca que exigimos das crianças que se comportem como adultos, ao mesmo tempo que deixamos claro sua incapacidade de interação com o mundo. Precisamos mudar esse olhar. Precisamos olhar para o desenvolvimento infantil, no tempo DELA, e não em nosso tempo, no tempo exigido por alguma maioria ou no tempo da filha da prima do vizinho.

tempo da infancia

O tempo da infância é o tempo AION, não é o tempo cronológico, o do relógio e calendários. Para crianças, minutos podem ser extremamente longos se estão aguardando dentro de um carro, por exemplo, ou podem passar num piscar de olhos se estão entretidos em uma atividade de seu interesse. A medida do tempo não é ligada ao relógio, mas às suas experiências.  Sendo assim, nosso olhar para a forma como a criança vivencia suas atividades tem que vir de encontro com o tempo da criança.

Se assim não o fizermos, corremos o risco de passar a analisar a “evolução” da criança de acordo com expectativas da sociedade contemporânea e podemos perder de vista as necessidades emocionais de cada uma delas. As crianças merecem esse tempo. O cérebro dela está se formando, o corpo está se fortalecendo a cada dia, novas conexões se estabelecem minuto após minuto. Elas merecem esse tempo. Elas merecem ser crianças.

Por isso, nós adultos somos tão importantes para elas. Elas dependem totalmente de nossos olhares, nosso amor, nosso cuidado e também nossos limites. Isso vai muito além do alimentar, limpar, organizar. As crianças precisas se sentir amadas e precisam sentir que seu tempo e sua experiência tem valor. Que elas são incríveis por serem quem são. E que também serão amadas apesar de suas sombras. Elas precisam de nós, e precisam que estejamos comprometidas ao mundo interno DELAS.

– Por Luiza Domingues, psicóloga clínica