Uma psicóloga, seu caderno e o primeiro atendimento

Seguimos contando nossos casos de “sucesso” mas ficamos aterrorizados ao pensar que possam descobrir quando os atendimentos não foram tão bem. O que esse movimento produz? O imaginário de que psicólogos experientes não tiveram começo e chegaram “magicamente” aonde estão.

“Ninguém conta”, essa foi a frase de uma supervisionanda que me inspirou a escrever esse texto. Conversávamos sobre o início da clínica, sobre os medos, as inseguranças e tudo mais que perpassa, por nós, quando estamos começando.

Ela tinha sede de saber sobre o início, imagino que de alguma forma a pergunta que ela realmente gostaria de fazer era: Também foi difícil para você? Então escrevo esse texto para você, para tantos outros que estão no início e também, para mim. Afinal, acredito que o início é um conjunto de vários inícios, como bem dizia Winnicott.

Lembro de ir para o meu primeiro atendimento com um caderninho nas mãos. Ele tinha uma capa colorida cheia de desenhos fofos, corações, óculos, espelhos. Lembro de ter perguntado a supervisora se podia tomar notas e ela disse que eu poderia escolher (ok, não me ajudou muito). Escolhi que sim e agarrei aquele caderninho com uma força que você bem pode imaginar.

Era um atendimento infantil e logo que encontrei a criança, tentei conciliar o olhar para ela e tomar notas. Na época, imaginava que seria possível mas me contem como isso poderia dar certo!?

A própria criança me perguntou e me pediu para ler o que estava escrito no caderninho. Gelei e agora, o que eu faço? Não tinha perguntado para a supervisora e no início, com aquela pergunta inesperada, parecia que eu simplesmente não conseguiria achar uma resposta. Meu cérebro estava congelado rsrs

Por fim, deixei e ela acabou rindo das minhas anotações. Depois dessa cena, ri também e só podia pensar que ser o primeiro atendimento de alguém traz os desafios não só para nós, mas para o paciente. Obrigada querida criança! 

Sai da sessão aflita e não via a hora da supervisão para saber se tinha feito certo, se tinha errado, precisava contar, precisava falar. Ah se eu pudesse escrever um bilhete para Mariana de dez anos atrás diria: “Respire, escreva, tente compreender, assentar o que aconteceu ali. Enquanto você se preocupar se está certo ou errado, sua visão, sua escuta estará nublada”

Quando me recordo desse primeiro atendimento, lembro de sensações muito ambivalentes, sabia que tinha amado aquela espaço e que estar na clínica fazia muito sentido para mim, mas também, com a sensação de que precisaria construir como eu gostaria de estar naquele lugar.

A partir daí, muitos passos foram dados. Alguns fizeram mais sentido, outros menos. Na clínica, achei que precisava atender “tudo” com a ideia de que precisamos ganhar experiência, mas depois entendi que tudo é muita coisa.

Há muitos anos, aposentei o tal do caderninho. Isso não quer dizer que dúvidas e inseguranças não surjam. As anotações ficam para depois dos atendimentos e com o paciente, estou ali. Devotada, disponível e com ele, para construir caminhos e lugares que talvez ele não tenha nem imaginado ou se permitido estar.

Para você, minha querida supervisionanda, você não está sozinha e sinto muito que ainda contemos nossas histórias aos pedaços. Todos temos nossos inícios!