Você respeita seus limites? Aliás, você sabe quais são os seus limites?

Por Estefania Manholer | Psicóloga

Este texto já começa com um exercício. Pegue um papel e vamos lá: Pense nas relações que construiu ao longo de sua vida com pais, irmãos, amigos, colegas de trabalho, chefes, relacionamentos amorosos. Faça uma lista. Agora pense, dentre elas, quais considera boas, tranquilas, pacíficas?  Pronto? Se sim, agora venho com uma pergunta capciosa: dentre suas relações boas, quais talvez se mantenham assim porque você não coloca limites?. Porque acaba se submetendo aos desejos do outro, fazendo o que não tem vontade, não respondendo quando algo incomoda, acumulando funções que não são suas? Eu sei, pode parecer uma pergunta dolorida, mas te peço uma dose de confiança para seguirmos 

Esse exercício pode parecer simples, mas acredito que uma reflexão profunda possa trazer respostas bastante surpreendentes para muitas mulheres. Isso porque, no geral, não somos socializadas para colocar limites nas relações que estabelecemos. Qual efeito disso? Não conhecemos nossos limites e muito menos, conseguimos comunicá-los. Vamos aprender juntas o que está por trás desse contexto?

Primeiro, teremos que retornar à infância. Não tem jeito. Os desafios que vivemos hoje trazem muito do que vivemos quando éramos crianças, ou seja, são reflexos de como aprendemos a enxergar o mundo, a nós mesmas e, nesse caso, as relações das quais fazemos parte. Pensando nisso, é possível refletir: na infância você tinha permissão para questionar? Era ouvida e validada ao dizer o que sentia? Demonstrar emoções era algo que envolvia broncas e até tiradas de sarro? Suas respostas são indicativas do que foi aprendido ao longo desse caminho. 

As crianças são levadas a ler o ambiente e decidir quem ela tem que ser para agradar os cuidadores. Quando seu eu mais autêntico e genuíno não é valorizado, as opções acabam sendo excludentes: “ou sou autêntica ou mantenho a conexão com essas pessoas tão importantes para mim”. 

Ser aceito pelo outro é uma das necessidades mais básicas do ser humano. Enquanto  ser aceito a qualquer custo é reflexo de uma socialização que falhou. Ao suprimir a autenticidade, a espontaneidade e as próprias emoções com objetivo de manter “boas” relações com os pais, as crianças vão pouco a pouco tendo uma compreensão errônea e, muitas vezes inconsciente, de que o mais importante é se guiar pela validação externa e não pelas próprias necessidades. 

São mulheres que, não raro, se tornam super realizadoras, que acumulam muitas funções em todos os meios; ou que se tornam colo e ouvidos dos pais, tendo pouco espaço para falar de suas próprias questões; ou se fecham e se tornam frias e distantes emocionalmente; ou até se tornam mais reativas e pouco disponíveis. Todas tendo em comum a dificuldade de olhar para si com compaixão e conseguir compreender suas necessidades, pois perdem a capacidade de realizar julgamentos sobre a própria vida, como se precisasse do olhar do outro para saber sobre suas vontades e desejos. 

Tornando esse funcionamento mais consciente chegamos a compreensão de que se você anula seu desconforto pelo outro você reforça que não é prioridade para si mesma. Pode ser uma escolha? Pode. Mas o preço é muito alto, pois as pessoas que não colocam limites experimentam muito sofrimento emocional e psíquico. Podemos listar alguns como: sobrecarga pelas mil funções que faz o tempo todo, o ressentimento e a frustração por não se sentir nunca validada de fato mesmo buscando muito, a baixa autoestima, reflexo de não se conhecer e, portanto, não se cuidar apropriadamente, a insegurança por não saber o que fazer exatamente já que a validação vem sempre do outro e não de si mesma.

Para além de pensar nas consequências, também é importante pensar no que mantêm esse comportamento dentro de cada relação. No fim das contas, está relacionado a ter a validação do outro sobre si mesma, manter a conexão com quem importa, se sentir aceita e amada, como dissemos lá no início. 

Mas como isso aparece nas suas relações? Quais as crenças que embasam o comportamento de se submeter? Se não quero transar com o marido: não sou boa esposa; se não quero fazer um determinado programa com minha mãe: não sou boa filha; se não gosto de sentar no chão para brincar com meu filho: não sou boa mãe; se não digo sim para tudo o que me pedem: não tenho utilidade; se não gosto de uma piada que fizeram comigo: não sou legal; se não quero passar horas na balada: não sou boa amiga. São relações de causa e efeito muito superficiais, que não levam em conta que as relações são complexas e que há um ser humano a ser beneficiado também: você. 

Então, quando será possível colocar limites? Quando entender que o seu valor não está na mesa sendo negociado. O que está sendo negociado é a quantidade de funções ou o programa que quer ou não fazer com sua mãe, mas não o seu valor.

Colocar limites oferece contorno para as relações. É dar atenção para as próprias necessidades, mas não é necessariamente gostoso. É arriscado, dá medo, é preciso se colocar vulnerável, há uma imprevisibilidade do resultado, gera culpa. Mas se você dá a devida importância para si mesmo e para a relação é um processo que vale a pena. E esse grifo não está aí por acaso. Não é o objetivo principal do texto, mas também é necessário compreender como se permitir colocar limites é um processo importante também para as relações, até porque relações saudáveis também auxiliam na preservação de nossa saúde mental. 

Saber os limites do outro mostra onde podemos pisar, o que esperar do outro, e isso relaxa. Assim, se uma amiga te chama para uma festa ou se um colega te pede um favor e você diz sim, a pessoa sabe que foi porque você realmente quis e isso é um fortalecedor das relações.

Agora, como tornar a jornada de aprender a colocar limites menos difícil, tendo em vista que, como disse acima, não é gostoso e pode gerar muita ansiedade e culpa? A única resposta possível é: se preparando para ele. 

No geral, poucas pessoas tiveram uma criação que fortaleça a expressão de suas necessidades e emoções, então, quando essas pessoas se deparam com o limite do outro a reação não é positiva. Afinal de contas, não existe a situação ideal em que saberemos comunicar e os interlocutores saberão ouvir. É necessário naturalizar que inicialmente vai ser incômodo.  Como a criança querendo colocar o dedo na tomada, o limite é saudável, mas ser limitada frustra. 

Apesar disso, é importante saber que você vai sobreviver e que as relações que valem a pena também vão. Se não fluir bem de primeira, muitas vezes dá pra voltar e tentar de novo. Afinal, quando você escolhe uma relação para colocar limites é porque está presa por ela de alguma forma e quer que ela continue. 

Se já não é mais possível trabalhar para não perder sua autenticidade e espontaneidade, com certeza é possível trabalhar para reconquistá-las, vamos juntas?